quarta-feira, 4 de maio de 2016

Uma filósofa, um monge e uma psicóloga

Parece título de livro de autoajuda, mas na verdade foi apenas uma feliz coincidência em um sábado de outono gelado em São Paulo. Confesso que o frio quase não me deixou sair da cama, não foi nada fácil, e a preguiça poderia ter ajudado a me afugentar dos meus compromissos, mas nas primeiras horas da manhã eu levantei, parti sem saber ao certo o que me esperava.
Bela, recatada e do lar!
Nas primeiras horas da manhã, a filósofa e escritora Marcia Tiburi estaria na Biblioteca de São Paulo para uma conversa com seus leitores. Lá fui eu, todo agasalhado – paulistano não pode sentir frio que se agasalha mais que o necessário –, para o auditório que já se encontrava quase lotado.
A filósofa divagou sobre suas obras literárias, mas o momento mais interessante foi quando abriram o microfone ao público e uma senhora nos trouxe de volta à contemporaneidade. Ela perguntou qual era a opinião de Marcia a respeito da matéria que traçou um perfil da mulher do Temer, classificando-a como: “Bela, recatada e do lar”. De forma indignada, Marcia respondeu: “O jornalismo anda sem assunto, mas achei interessante o movimento que se seguiu, das mulheres expondo nas redes sociais que não querem ser resumidas a rótulos e que podem, sim, fazer qualquer coisa”. Ao final do evento, a filósofa atendeu aos leitores.
Corre, para o monge, corre!
Putz, nem percebi! Já se passaram quase duas horas eu preciso ir; está perto do meu próximo compromisso do outro lado da cidade! Ainda bem que eu estava próximo ao metrô. Minutos depois e esbaforido chego ao templo Agon Shu, na Praça da Árvore. Uma paz aquele lugar! Minha conversa estava agendada com o monge. Esse é meu segundo bate-papo com ele. Estava ansioso, aos poucos estou me permitindo conhecer a filosofia de Buda e tenho achado interessante os conceitos éticos, o autoconhecimento e a não terceirização dos meus problemas.
“Nós devemos fazer a roda da vida girar, Ricardo! Devemos ser gratos às pessoas que nos fazem bem, mas essa gratidão, muitas vezes, não precisa ser retribuída a quem nos agraciou, pode ser feita para um estranho. Desta forma, movimentamos o mundo”. Essa frase foi dita logo após nós comentarmos a passagem de um livro budista sobre os carmas. Ainda não entendi bem essa parte e estou achando um pouco difícil descobrir quais são os meus, mas tudo tem sua hora. “Tenha paciência” pediu-me o monge. Às vezes eu acho que tenho paciência até demais! Quase no final da agradável conversa, o monge me alerta que devemos olhar atentamente para o “alvo” dos nossos objetivos, mas sem esquecer que somos os donos de nossos destinos, ou seja, podemos mudar de alvo. “Buda ensina que devemos exercitar o controle de nossas vidas, só assim seremos felizes”, concluiu meu sábio monge.
Cinema e pedido de casamento
Naquele dia eu estava no controle da minha vida, eu era senhor do meu destino. Telefone toca: “Alô, Rick, sou eu!” Minha amiga psicóloga do outro lado da linha. “E aí o cinema está de pé?” Respondo: “Claro que sim, estou chegando”. Fomos assistir “Nise – O coração da loucura” um excelente filme protagonizado pela atriz Gloria Pires. O longa conta uma parte da história de vida da doutora Nise da Silveira, que propõe num hospital psiquiátrico do subúrbio do Rio de Janeiro uma nova forma de tratamento aos pacientes que sofrem da esquizofrenia, eliminando o eletrochoque e a lobotomia. Minha amiga chora, comovida com a história, e me faz ponderações sobre a vida da doutora. Muito interessante, recomendo.
Depois da sessão “Cult”, caminhamos até o bom e velho “litrão”, lugar ideal para discutir o filme e divagarmos sobre a vida – e como divagamos. Mas depois de “umas”, resolvemos cantar. Seguimos para um karaokê no bairro da Liberdade. Lá conversamos com Henrique, um japonês, que era dono de uma vidraçaria e tomou um calote da irmã e agora trabalha no local. “Vai ver onde ela mora hoje”, disse-me embravecido, mas sorrindo com aquele ar de quem diz: “Agora já foi, paciência!” Depois encontramos um rapaz que pediu a mão da minha amiga em casamento, esse estava prá lá de Bagda, e eu, entre momentos de risadas, sobriedade e embriaguez, tentei manter a roda da vida girando e nem atrapalhar os pombinhos, mas logo ele foi voar em outras praças e ela subiu ao palco e cantou e encantou os presentes.
Não se vá!
E assim foi o sábado que atravessou a madruga e por relutância ou mau humor dele, virou domingo. Foram tantas conversas e aprendizados naquele dia que eu estava, por puro egoísmo, forçando ele a ficar, mas ele sabidamente se foi. Poderia ter dado em nada, mas deu no que deu. Pego-me pensando: “Será que, sem querer, eu já apliquei alguns dos ensinamentos de Buda?”. Não sei responder com certeza, mas diante dessas maluquices diárias, o país praticamente declarou guerra civil cibernética, tanto ódio e rancor, totalmente desnecessário.
Naquele sábado passei o dia sem meios digitais falando com pessoas que aprenderam que por maior que seja o tombo que a vida nos dá, nós devemos nos levantar e nos reinventar. Por pior que seja o descrédito em alguma instituição devemos confiar, que podemos manifestar nossa indignação e, principalmente, que existe uma forma racional para isso. A existência é muito mais alegre do que triste. Na grande maioria das vezes, tudo depende de para onde você está caminhando. Talvez um pequeno ajuste na rota melhore seu ponto de vista. Putz! Acho que o final ficou com uma carinha de autoajuda. Bom, melhor assim!

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